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O Retrato da Biblioteca

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Mensagem  Leto Sex Jul 31, 2009 4:11 pm

O Retrato foi o único "livro" que escrevi na vida, e está a semi-apodrecer no pc. Para quem leu o mini-conto Acorde das Almas, não esperem nada de comparado. Vou pondo aos poucos, tendo em conta que é uma coisinha de tamanho razoável. Comecemos pelo Prólogo.

MAPA

Prólogo

Ó sagrada desavença do ser
Nada és num coração de alento,
Contudo és dor e perdição
Na triste alma esquecida.
Não condenes então o bem,
Não reclames da vida a essência
Sua por direito de viver.
Condena-te que de vil és
O que sempre desejaste ser.
Encarcera-te em mil estilhaços
Da alma que te apregoa.
Volta para não mais voltares.

(Profecia)


Uma espadeirada de alto a baixo dirigiu-se-lhe e ela recuou sem mais pensares. No entanto, algo correu mal nesse seu recuo. O pé prendeu-se-lhe sem explicação e o desequilíbrio assolou-a da forma mais inconveniente que encontrou. Os seus compridos cabelos negros varreram a cinza do chão terroso e carbonizado, quando, por um mero acaso, tropeçara numa pedra queimada que, malfadada, cruzara o seu caminho. Na verdade, fora ela que cruzara o caminho da pedra, mas o seu imenso ego nunca a deixaria admitir tal facto. Contudo, a amaldiçoada pedra interviera na hora certa, ou errada, dependendo dos lados, e fora a sua perdição. Com a queda desamparada, o longo bastão negro rebolara pelo chão e afastara-se irremediavelmente das suas mãos e de qualquer forma que tivesse para alcançá-lo. A sua fonte de poder traíra-a. E onde estavam os seus aliados? Mortos, presos, fugidos, ignorando o seu estado… Todos a tinham traído!
Avançaram então para ela, erguendo uma grandiosa espada de gume prateado, sobre a sua cabeça. Iriam matá-la? Não, não seriam capazes os humanos piedosos e fracos, e esse erro seria a perdição de todos os mundos, pois não a manteriam prisioneira para sempre. Encontraria uma forma de regressar, e voltaria mais forte, muito mais forte.
Um sorriso louco invadiu-lhe a face, e os seus olhos verdes brilharam de maldade, enquanto um outro traidor erguia um colar negro onde pendia uma pequena gota lilás de cristal mágico. O par murmurou palavras conjuntas que constituiriam um lendário e poderoso feitiço, a Prisão de Cristal, o seu cárcere vitral e invisível, no reino das sombras, que a impediria de qualquer investida contra o seu mundo, deixando-a pouco mais que um vulto do que fora.
Que o conjurassem! A sua alma era imortal e esperaria o tempo necessário para se destilar daquele vidrinho matreiro. Pois ela era a Senhora das Trevas, a Senhora do Mal, e o Mal prevalece, mesmo quando os Bons pensam que venceram. Ele volta sempre.
Um brilho inundou a lâmina da espada e a gota de cristal, num branco extenuante que avançou impiedosamente sobre os cruéis olhos verdes e sobre todo o céu cinzento e agoirento. Um guincho agudo de animal maléfico fez-se ouvir por todo o ambiente em redor, trespassando os ouvidos dos incautos desprevenidos que nunca saberiam o que se passara no mundo longínquo onde os gritos tirânicos de raiva e frustração foram emitidos.
Quando a luz se dissipou, o supremo mal esvaíra-se, quase desaparecido da face da terra. No entanto, por quanto tempo o calmo mar se iria manter longe da maldade do ser que corrompe o mais inocente humano?
Pois um facto é certo: a persistência da alma é um bem natural que deve prevalecer… quando não usado pelas atemorizantes trevas.


Última edição por Leto em Sex Jul 31, 2009 7:02 pm, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Admin Sex Jul 31, 2009 6:29 pm

"Uma espadeirada de alto a baixo dirigiu-se-lhe e ela recuou sem mais pensares. No entanto, algo correu mal nesse seu recuo. O pé prendeu-se-lhe sem explicação e o desequilíbrio assolou-a da forma mais inconveniente que encontrou"

Uma vez mais gostaria de lembrar que não sou um crítico encartado, a minha opinião vale então o que vale. Gostei do texto, contudo penso que o primeiro parágrafo beneficiaria de algumas modificações, por exemplo:

"Uma espadeirada de alto a baixo dirigiu-se à Rainha, que recuou.." ao invés de "Uma espadeirada de alto a baixo dirigiu-se-lhe..."

e

"o seu pé ficou preso sem explicação..." ao invés de "O pé prendeu-se-lhe".

Ainda é cedo para perceber o cerne da história, contudo parece-me que esta Rainha terá uma grande presença no desenrolar do texto. Ficaremos à espera da continuação.

Roberto Mendes
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Mensagem  Leto Sex Jul 31, 2009 6:48 pm

Os vilões das histórias têm sempre um papel importante, mas, para mal dos seus pecados, esta não é rainha. Não que não se importasse. Até talvez seja capaz de se auto-intitular como tal.

Agradeço, os pormenores que referiste *anota num pergaminho*. Concordo com a segunda, fica melhor como disseste. Quanto à primeira, deve, de facto, sofrer uma mudança...
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Mensagem  Admin Sex Jul 31, 2009 7:04 pm

Pois, não era Rainha que queria escrever, era Senhora do Mal.lol.

Fico à espera da continuação!
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Mensagem  Leto Sex Jul 31, 2009 7:23 pm

ah ok xD Bem, pus o link para o mapa no primeiro post, e... ponho aqui também, caso não o vejam: MAPA

Capítulo I (Parte I)

Liriana

Soa acima de nós
Em ventos plácidos de paz
Mão de sagrada presença,
Vendo-te, deliciado,
A ti brilhar de astro tão belo,
Lírio dos céus, que na noite
É luz que incendeia
Sonâmbulos sonhos sombrios,
Que esperam escondidos
Nos recônditos obscuros
(Oh! Daquele bem maldito!)
Da essência do ser.

(Brilho)

O suave luar espreitava timidamente pelo fino vidro da janela, amaciando o branco puro das cortinas semi-abertas que deixavam antever um simples aposento – o quarto de uma jovem adolescente não tão simples quanto ele. O seu leito ficava junto à janela e a colcha azul escura, cravejada de estrelas, absorvia, lentamente, todos os efémeros raios lunares que se propagavam pendentes na atmosfera.
Pousadas sobre os lençóis de algodão branco, duas mãos morenas e delicadamente irrequietas abriam-se e fechavam-se, torciam os lençóis e continuavam a fazê-lo repetidamente num nervosismo efusivo. Dois olhos castanho-mel olhavam desconfiados para o tecto escurecido pela noite, pensando, pensando e repensando na questão que a atormentava silenciosamente. Não percebia a súbita ideia dos seus pais. Nunca falavam da sua madrinha, nunca a visitavam e ela nunca os visitara. No seu aniversário e noutras épocas festivas oferecia-lhe cinquenta euros dentro de um postal pouco colorido a desejar-lhe Boa Sorte, Boas Notas e mais Boas Qualquer Coisa. Nunca a vira sem ser numa velha fotografia já carcomida pelo tempo, com manchas que mostravam a pouca qualidade dos químicos. O que lhe interessava saber que antes dos cinco anos tinha convivido com ela quase todos os dias? Liriana não se lembrava desses tempos passados. Há dez anos atrás perdera a memória devido a uma queda da janela. Mas as memórias que ela perdera, nem lhe pareciam minimamente importantes. Deixavam-na curiosa, mas não mais que isso. A sua madrinha pertencia a um passado perdido.
E agora aquilo! E sem sequer fazerem o obsequio de lhe pedirem uma única e mísera opinião. Um mês! Um mês em casa de uma pessoa desconhecida no Minho, em Trás-os-Montes ou onde fosse! Não tinham o direito, era inadmissível. Já não era nenhuma criança, tinha quinze anos, quase dezasseis.
Deu uma volta na cama, deitando-se sobre o ombro direito, e abraçou-se a um ursinho azul que tinha desde pequena, um pequeno amigo, o mais secreto amigo, o seu grande confidente. Um confidente que nem na morte divulgaria os seus mais íntimos segredos. Porquê? Não por ser um ser inanimado, mas porque era o seu ursinho.
- Apesar da minha revolta, o melhor seria dormir, não é, Yuri? – Perguntou para o urso, apesar de estar a falar mais consigo própria que com o peluche. – Amanhã falo com o pai e com a mãe, talvez os consiga convencer a não me levar para o fim do mundo. Não quero conhecer a madrinha Alexandrina, não quero…
Por entre todos aqueles pensamentos de conjura contra a ida à afamada mas pouco conhecida terra da madrinha desconhecida, a jovem deixou-se adormecer levemente sem se aperceber, enquanto o luar lhe tocava a face ternamente, num beijo de boas noites.
O subconsciente, como em maior parte das noites, levou-a para o mundo distante de irrealidades e fantasias, seu e de mais ninguém. Sonhou que estava num monte árido, cravejado de erva amarelada e ressequida, onde ovelhas esbranquiçadas, que faziam um barulho insuportável e que não se comparava a qualquer balir de uma ovelha, pastavam como se nada fosse. Parecia o zumbir de melgas gigantes, aqueles insectos horrorosos que picam as pessoas sem pedirem autorização e deixam uma recordação de alguns dias de comichão e um inchaço que pode variar no seu tamanho. Aquelas ovelhas imitavam-nas na perfeição, devorando aquela erva doentia, fazendo o estranho zumbido tão pouco característico e ignorando-a por completo, como se fosse um inofensivo microrganismo.
Porém, eram somente pormenores estranhos de um sonho estranho, por isso, não podia ficar ali impávida a olhar para elas, decidiu. Começou a abrir caminho por entre os animais farfalhudos sem lhes tocar, erguendo os pés com esforço, como se as ervas daninhas se enrodilhassem à sua volta para a deter no seu avanço. Por fim, após ter andado o que lhe pareceu longas horas no meio da áspera lã dos animais, viu alguém, ao longe. Esse alguém possuía duas pernas, dois braços e uma cabeça pouco nítida. Era uma silhueta humana. Aproximou-se mais, com passos que queriam ser apressados mas que, contudo, não conseguiam, e, ao encontrar-se a menos de um metro de distância da silhueta, os seus olhos deram conta de que não era uma pessoa que se encontrava estática no cume daquele montículo de campo, mas sim o que sobrava da sua passagem, uma mera e frágil sombra. Liriana tentou falar com ela, contudo não foi capaz de tocar naquela essência sobrenatural. Insensível a qualquer palavra, qualquer expressão, a sombra assim continuou, parada, ondulando quando um vento imaginado passava pela sua forma que agora não lhe parecia tão humana quanto isso. Voltou-se para olhar para trás, para as ovelhas-melgas que comiam o pasto na ignorância que lhes era reservada pelo ser Omnipotente. Era tudo tão estranho, tudo tão calmamente distante…

Abriu um pouco os olhos, deixando a ténue luz dos primeiros raiares aquecerem-na com uma carícia amorosa. Os finos lábios expandiram-se num bocejo e esticou os braços, distendendo todos os músculos do corpo num estalar de ossos. Voltou-se para o lado da mesa-de-cabeceira branca e lançou um olhar ao relógio digital de números ofensivamente vermelhos. Faltavam cinco minutos para as seis horas da manhã.
O silêncio instalado em sua casa era leve e ameno, e deixava-a descansada. Por instantes esquecera-se do facto de ter de ir para casa da madrinha, esquecera-se de tudo o que a poderia incomodar num momento como aquele.
Yuri, o urso azul, repousava ao seu lado, meio amarfanhado, por ter sido praticamente esmagado pelos braços da jovem, enquanto adormecida.
Soltou um suspiro longo, acalentado pela plenitude da noite. Os pássaros, no exterior do amanhecer, cantavam felizes. Seria um bonito dia de Verão, quente e óptimo para a praia. Ah… mas ela não poderia ir para a praia, teria de ir para o campo.
- Bah!
Empurrou a colcha e os lençóis para trás num repente de aborrecimento e rodou os pés para o chão. Calçou os chinelinhos com cerejas desenhadas e levantou-se, voltando a espreguiçar-se como um gato preguiçoso. Ainda teria que fazer a mala, e, em todo o caso, tentaria dissuadir os pais.

Eram sete horas, a mala estava feita e começavam a ouvir-se movimentos no quarto ao lado. Um autoclismo fez-se ouvir, com o seu turbulento despejar de águas e a sua sucção que lhe dava voltas ao estômago ainda vazio.
Teria de esperar alguns minutos até que os pais acabassem de se arranjar e descessem para tomar o pequeno-almoço. Seria nessa breve altura, nesses minutos cruciais, que abordaria o tema polémico que a revoltava.

- Mãe, tenho mesmo que ir? – Perguntou a jovem, levando à boca uma colher de cereais de chocolate e esperando por uma resposta que a acalmasse.
Anabela Leonor lançou um olhar de esguelha à filha e virou-lhe as costas, levando duas fatias de pão até à torradeira.
- Mãe!
- Penso que já falamos nesse assunto, Liriana – respondeu a mãe sem a fitar, preferindo analisar um armário de madeira envidraçado que guardava copos e canecas, muitos deles com desenhos de florinhas multicoloridas.
Os olhos de Liriana estreitaram-se de concentração, tentando obter à força alguma desculpa decente.
- Mas o Cajó não pode ficar sozinho – lembrou-se subitamente, pensando no seu micro-cágado, um animalzinho amoroso que vivia num grandioso aquário na sala de estar. – Quem lhe dará comida? Quem lhe fará companhia? Sabes que ele fica deprimido e sem fome sempre que está só.
- A Mariana cuidará dele durante os dias em que estiveres ausente.
- Oh… a Mariana…
- Sempre disseste que ela adorava o Cajó, e é a tua melhor amiga – manifestou a mãe. – E não tentes arranjar desculpas. Eu e o teu pai precisamos de um tempo juntos para discutirmos uns assuntos, pensei que compreendesses isso. Só vais ficar em casa da Alexandrina alguns dias.
- Um mês! – Corrigiu Liriana deveras aborrecida por o seu plano estar a ir, plenamente, pelo cano abaixo, como a expressão dizia.
- Não é um ano, pois não?
- Ó mãe, eu posso perfeitamente ficar em casa sozinha! Sei tomar conta de mim, não sou nenhuma maluca destruidora…
- Podes tirar o cavalinho da chuva que isso não irá acontecer. Agora acaba o pequeno-almoço para te levarmos até casa da tua madrinha. – O seu tom de voz era implacável, pondo um total ponto final sobre o assunto, pelo menos durante alguns minutos. – E não te esqueças de levar o medalhão.
A jovem desistiu daquela batalha, era um caso perdido. E depois ainda havia aquele assunto do medalhão!
Após terminar os cereais lavou os dentes e dirigiu-se novamente para o quarto. Abriu a última gaveta da cómoda e revolteou-a um pouco até encontrar o que queria, uma caixinha de madeira, talhada primorosamente com flores douradas. Abriu-a. No seu interior forrado a veludo vermelho repousava um fio prateado onde se encontrava preso um medalhão com a sua fotografia enquanto bebé. Na imagem, a sua mãozinha estendia-se para tentar alcançar a ocular da máquina e o seu sorriso alegre e esperançoso elevava-se até aos olhos que brilhavam entusiasticamente. Tinha que confessar a si própria que, naquela altura, até parecia uma coisa amorosa.
Tirou-o da caixa, com cuidado, e colocou-o ao pescoço. O grande motivo que levava os pais a quererem que ela o levasse era o facto de ter sido a sua madrinha a oferecer-lho quando fizera um ano de tenra idade. Possivelmente, ela nem repararia que o levava, era uma preocupação desnecessária. Revirou o medalhão nos dedos e olhou para a parte de trás onde jaziam algumas palavras que sentia não terem qualquer significado: Para a Liriana com amor, da Alexandrina. Amor… ela nunca lhe chamaria isso. Não via razões para tal.

O carro dos pais, um fiat vermelho, encontrava-se estacionado à porta da entrada de casa. Liriana deixou-se cair pesadamente no banco de trás com a face voltada para o vidro que dava para o passeio do outro lado da negra estrada de alcatrão, onde se podia ver um bonito conjunto de árvores, relva, lago e animaizinhos simpáticos. O jardim que ficava em frente a sua casa trazia-lhe tão boas recordações de infância! As suas verdes árvores lembravam-na dos dias em que as tentara trepar, dizendo vezes sem conta que era o Tarzan ou o Peter Pan; a relva fofa e macia era os dias em que se sentava e rebolava por ela feliz, sem preocupações; onde, por vezes, fazia piqueniques com Mariana e com Yuri; em que passeava de mãos dadas com os pais; e o lago… ah! O lago… Os cisnes brancos nadavam por ele, comendo os bocadinhos de pão que lhe atiravam e importunando os peixes vermelhos que por ele passeavam. Era tudo tão perfeito, até começarem as discussões entre os pais. Estavam em vias de se divorciarem e era por isso que queriam o seu afastamento.
O pai era um advogado conceituado, que possuía um enorme escritório com imensos empregados, nos arredores de Lisboa. Sempre a adorara e fazia tudo por si, sendo um dos seus grandes amigos, o seu anjo-da-guarda mais afincado. Lembrava-se da vez em que ele a levara à Disneyland Paris. Tinham ido só os dois pois a mãe não pudera tirar uns dias para os acompanhar. Percorreram todos os divertimentos, todas as aventuras suas predilectas e comeram chocolates e algodão-doce até não poderem mais! Fora incrivelmente fantástico.
Ao contrário do pai, a mãe possuía uma personalidade mais calma, não sendo propensa a grandes emoções. Compreendia-a, obviamente, e era sua amiga. Mas Liriana não poderia dizer que gostava mais de um do que do outro, pois amava ambos, eram os seus progenitores, a sua alma dividida em dois. E como gostava que se pudessem voltar a unir.
A sua mão apertou o medalhão com força, destilando nele a fúria que sentia por ser tão impotente, por não resolver tudo com um estalar de dedos ou com uma varinha mágica, como nos filmes de magia.
A porta do lado do condutor abriu-se e o pai sentou-se ao volante, enquanto a sua mãe entrava pelo outro lado, instalando-se ao lado do marido. Possivelmente iria ser uma viagem soturna e Liriana sentiu a tensão no ar, mal o carro se pôs em andamento. Iriam percorrer um doloroso caminho com poucas curvas, uma auto-estrada qualquer que lhes adiantaria a viagem e lhe tiraria um tempo precioso que já não poderia apreciar.
- Adeus – murmurou a jovem para o jardim e para a casa, como se fosse uma última despedida e nunca mais os voltasse a ver, passando a habitar, após a viagem, num fim do mundo intransponível.
As árvores corriam para trás de si, abanando os seus densos ramos numa triste despedida. Sentiu uma lágrima solitária a escorrer-lhe pela face morena e apressou-se a limpá-la antes que alguém desse conta. Não queria que os pais soubessem que estava tão triste assim.
- Para onde vamos mesmo? – Perguntou, ao fim de algum tempo, cansada da monotonia de ver carros a passar incessantemente. A paisagem era prática e incorrigivelmente a mesma. As árvores repetiam-se sucessivamente, muitas delas desfolhadas e com a cor agonizante do carvão – os incêndios eram pragas muito piores que os insectos irritantes que se propagam sem limites. O céu limpo da manhã tinha-se tornado cinzento e ameaçava-os com forte chuva e uma possível trovoada.
- Para Vila Pouca da Beira, uma terra muito bonita – respondeu o pai, sem retirar os olhos da estrada. – Vais ver que te vais divertir, a tua madrinha tem uma casa muito interessante.
Liriana não respondeu, fechando os olhos e ficando com tudo o que pensava da madrinha e da sua estúpida terrinha para si.
- Ainda falta muito? – Perguntou entediada, cinco minutos depois.
- Um bom bocado, cerca de duas horas e meia.
Ainda teria de esperar muito. Talvez tentasse dormir um pouco, assim não teria de pensar. A última coisa que desejava fazer era dar conta do seu inglório destino. No fim do mundo não teria Mariana, nem Cajó, nem Yuri, nem os seus pais ou os seus amigos, nem…
- Parem! – Gritou num repente, fazendo com que o pai travasse bruscamente.
Com agressividade, uma buzina incómoda e ensurdecedora fez-se ouvir de um grotesco camião de TIR que seguia atrás do carro vermelho e quase o esmagara.
- O que foi agora, Liriana? – A impaciência reflectia-se na voz do pai, que se tornara áspera, e algumas gotas de suor escorriam-lhe pela testa, após ter visto que quase tinham sido esmagados por um veículo de aspecto intimidante.
- Esqueci-me dos meus livros! Não posso ir sem eles!
A jovem parecia simplesmente desesperada. Os livros eram outros dos seus grandes amigos e sem eles sentia-se praticamente vazia, sem essência que a animasse. Principalmente num lugar inóspito como uma terrinha perdida no meio da serra, ou fosse onde fosse.
Depois de escutar outro buzinar, o pai pôs o carro a andar normalmente e só respondeu quando o camião os ultrapassou e o seu condutor lhes fez um gesto não muito agradável.


E amanhã vou para a santa terrinha, por isso não posto mais nada, para minha eterna agonia --'
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Mensagem  Leto Qui Ago 27, 2009 2:28 pm

- Não podemos voltar atrás, estamos quase a meio do caminho – parecia desconcertado com aquele problema da filha. Pensara muito bem naquele assunto e ainda não lhe agradava levar Liriana para casa da sua prima Alexandrina. Tinha medo que a filha se sentisse só.
- E além disso, – a mãe falou pela primeira vez desde que começaram a viagem cansativa – a tua madrinha tem imensos livros, não vais necessitar dos teus.
Liriana olhou para a mãe com os olhos castanhos-mel abertos de espanto, o que fez Anabela sorrir.
- Ai tem? – Tudo o que se referisse a livros despertava-lhe um animado interesse. – Que género de livros?
- Todo o género de livros. Tem uma biblioteca imensa, recheada com, arrisco dizer, milhares deles. – A mãe riu-se ao ver o entusiasmo da filha aumentar. – Espera e verás.
A partir daí, Liriana fez o resto da viagem com um pequeno sorriso de satisfação nos lábios e um brilhozinho nos olhos. Imaginava já todos os livros que a madrinha pudesse ter nas imensas estantes. Os mais clássicos – Romeu e Julieta de William Shakespeare ou Os Lusíadas de Luís de Camões, ou mesmo o Drácula de Bram Stoker; os mais modernos, de escritores como Stephen King e Fernando Pessoa; e mesmo os livros fantásticos, como os de Tolkien, Rowling com o seu “Harry Potter”, ou outros ainda mais emblemáticos. Maravilhas raras, um universo misterioso de amarelecidas páginas velhas (outras nem tanto), onde cavaleiros lutavam com dragões e resgatavam as suas princesas, onde alquimistas tentavam criar o elixir da vida, onde navegadores corajosos conquistavam os mares revoltos do infindável mundo das descobertas. Tudo perto de si, tudo ao alcance da sua delicada mas ávida mão.

Durante a viagem, Liriana viu passar inúmeras placas, tabuletas, ou postes de sinalização, que variavam nas suas cores algures aberrantes. Muitos desejam boa viagem, entre outras palavras que não lhe chamavam a atenção, e maior parte indicava nomes de terras suas conhecidas, como Coimbra, por onde passaram vagamente e não pararam, e terras suas desconhecidas que nem no mapa deveriam vir de tão pequenas que deveriam ser, como Vendas de Galizes, Avô e, por fim, Vila Pouca da Beira. Tinham chegado ao seu destino, finalmente.
Simples vivendas passaram por si, sem lhe chamar a atenção. Eram normais, como muitas das que via na capital, sem interesse. Contudo, ao longe, uma torre cinzenta começou a erguer-se contra o céu, ocupando cada vez mais o horizonte, enquanto o fiat se aproximava. Sentiu-se a encolher no meio das árvores que a rodeavam de um lado e do outro da estrada, e ao princípio não soube bem a razão. Algo a intimidava, fosse lá o que fosse.
O carro parou, pouco depois do início da vila, em frente a esse casarão imponente e arrepiante que se lhes vinha a mostrar desde que entraram oficialmente na vila.
Liriana saiu e bateu com a porta distraidamente, enquanto olhava com atenção para aquele edifício espantoso que seria a sua morada durante os próximos trinta dias. Era feito em granito e as janelas estavam sustidas em caixilhos de madeira castanha-escura, contudo, nenhum desses materiais a tornava ridícula, muito pelo contrário, impunham-lhe austeridade e uma firmeza pouco cativante mas que lhe despertava a curiosidade. Um telhado de um laranja musgoso dava um toque final, sendo que ainda se observava uma larga torre que se erguia no seu centro cerca de doze metros: a torre que primeiro vira, antes mesmo de saber que era naquela casa que ficaria.
Ao ver o ar estupefacto da filha, Anabela, sua mãe, explicou-lhe qual a natureza da torre enorme: era a biblioteca. A casa estava também rodeada por árvores enormes, muito maiores do que as do parque que ficava em frente da sua casa. Deveriam ser centenárias ou mesmo milenares. O que interessava? O importante era que estavam ali, naquela altura, para a receber com ou sem os braços abertos, como valentes e sérios soldados que guardam a sua fortaleza.
O pai tirou a sua mala do porta-bagagem e pousou-a, soltando um suspiro de alívio. O que teria a filha posto dentro dela? Chumbo? Bem, definitivamente não compreendia as mulheres e se nalgum remoto dia entendesse, seria um dos mais grandiosos milagres.
Transportou as malas pelos portões abertos, penetrando naquela pequena amostra de bosque que lhes dava as boas vindas, deixando-a cair numa enorme laje que precedia a quatro degraus de pedra muito bem polidos e com pequenos relevos, talvez palavras de uma língua antiga e desconhecida. Levantou a mão e puxou um cordão rústico que fazia um mediano sino de cobre badalar.
Liriana olhou para o lado esquerdo onde incrustada na ombreira estava um botão branco: a campainha eléctrica. Não conseguiu evitar um sorriso de divertimento maroto pelo estardalhaço que o pai fizera com o sino. Muito divertida aquela peculiar casa. Alexandrina seria igual? Ela tinha as suas sérias dúvidas.


(Fim do capítulo. Os primeiros 2 capítulos são um pouco... secantes. Presumo que fosse da pouca experiência no assunto, não que agora tenha muita xD)
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