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20 000 euros e um Bisturi

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Mensagem  Umbrae Sex Ago 21, 2009 2:47 pm

Bem, mostrei isto ao Francisco e ele disse para pôr aqui.
Espero ser trucidado com críticas Very Happy




20 000 euros e um Bisturi



O apito do comboio ecoou pela montanha, fazendo alguns pássaros levantar voo. Fernando pousou a mochila na plataforma do pequeno apeadeiro decorado com azulejos azuis e brancos retratando a vida típica da região. Inspirou o ar revigorante da mudança e olhou em volta.
- Que fim de mundo, meu Deus! – suspirou.

Três meses antes Fernando acabara a especialização médica em Neurologia. Ainda não tinha saído do edifício onde brilhantemente discutira a sua tese já um homem se apresentava de cartão em punho.
- Bom dia! Desde já muitos parabéns pela sua tese. Interessou-me a sua perspectiva da utilização de psicotrópicos para afastar a percepção do Eu do corpo.
- Muito obrigado.
- Gostaria de ver a sua ideia sair do papel?
- Como? Desculpe?
- O meu nome é António Damasco e represento a Fundação Sophia Sconso da qual, decerto, nunca ouviu falar. – entregou o cartão sorrindo – Mas assim o é porque a nossa política é de discrição absoluta e evitamos ao máximo a publicidade.
Fernando anuiu mostrando o seu interesse.
- Permita-me convidá-lo para almoçar, onde poderemos discutir a proposta que tenho a fazer-lhe.

Sophia olhou por entre as cortinas para o jovem médico que subia a avenida ensombrada por uma latada de vinha que dava acesso ao Solar. António abeirou-se da janela perguntando:
- Que acha?
- Parece-me bastante promissor, gosto do estilo dele. Repara que trouxe pouca bagagem, mesmo sabendo que vai ficar aqui um ano. Vai partilhar o quarto com quem mesmo?
- Com o Rui Estêvão. A psicóloga disse que lhe iria fazer bem estar com alguém novo.

O jovem médico tocou à campainha e esperou. Em menos de nada António abriu-lhe a porta.
- Espero que a viagem tenha sido agradável.
- Foi bastante! A paisagem ao longo da linha é de cortar a respiração. Não acha?
- Bem-vindo à Fundação Sophia Sconso. A recuperação deste solar para a instalação da Fundação foi o primeiro de muitos passos do projecto de revitalização desta aldeia que ainda há apenas dez anos só tinha dois habitantes. Hoje em dia, para além do pólo dinamizador que é o centro de investigação, a aldeia já possui uma marca própria de vinho e de comida proveniente de agricultura biológica.
- Muito interessante, não fazia a mínima ideia que existiam programas destes em Portugal.
- O andar térreo é habitacional e encontra-se equipado com quartos, casas de banho, cozinha, sala de jantar, biblioteca e sala de estar. No primeiro andar localizam-se alguns gabinetes, salas de reunião…Os laboratórios são subterrâneos enquadrando-se na paisagem. Se olhar pela janela poderá vê-los inseridos entre os socalcos à cota destes. Por favor, deixe as suas…a sua mochila no hall de entrada para que seja levada para o seu quarto e siga-me até ao primeiro andar onde se encontram alguns gabinetes onde poderemos assinar o contrato.

Fernando nunca assinara um papel com tanto dinheiro mencionado, mas logo que o fez sentiu que tudo aquilo era real, não uma fantasia sua dos tempos de universidade.
Era hora de visitar o seu futuro local de trabalho.
Entraram no elevador onde António o advertiu:
- Relembro-lhe o que acabou de assinar: Não deverá sair nenhuma informação dos laboratórios para exterior. É vital para a Fundação que os estudos sejam exclusivos desta.
A porta abriu-se e a luz branca e limpa invadiu o elevador. O bloco transpirava a modernidade e minimalismo. Avançaram silenciosos pelo corredor até chegar à porta encimada pelo título “Sala da Consciência”. Quando esta se abriu o choque de Fernando foi total. No centro da sala havia um taque de vidro e ferro cheio de água onde jazia um homem nu ligado a uma imensidão de fios. À volta vários cientistas analisavam as ondas cerebrais e sinais vitais em computadores. Tudo aquilo se desenrolada em frente aos olhos de Fernando como se fosse um filme de ficção científica onde o conhecimento podia ser desbravado simplesmente porque sim, sem preocupações metafísicas. Da sua boca só conseguiram romper duas palavras.
- Quando começo?

Passaram-se algumas semanas e a integração do novo interno era total. Revelara-se um grande trabalhador e o seu sentido prático e perspicácia permitiu-lhe criar uma empatia quase imediata com os seus colegas de trabalho. Começou a sair com eles às sextas à noite para o café da aldeia e começou a conhecê-los melhor. Tal como ele, não tinham cônjuges nem filhos, nem nada que os prendesse ás suas antigas vidas. Parecia que era factor decisivo para a Fundação. Tal como a paixão e devoção à ciência.
Já era tarde quando Fernando chegou ao seu quarto. Pé ante pé abriu a porta e entrou, tentando orientar-se na escuridão. Rui estava acordado a olhar pela vidraça.
- Então Rui, porque não viest…
- SHHHHHHHHH – foi a resposta que obteve do seu lacónico companheiro.
O vulto do seu companheiro apontou para um pálido homem no exterior que contemplava o vale sentado numa pedra. As nuvens afastaram-se e a luz da lua iluminou o homem revelando a sua deformada face apoiada em cotos em vez de mãos. Os seus olhos salientes direccionaram-se para o interior da casa e cruzaram-se com os de Fernando. Um arrepio subiu-lhe pela espinha acima. Estremeceu. A sua cara parecia ter derretido como cera e haviam lesões extensas na pele
- Tem porfíria…coitado…Dizem…dizem que antigamente…Olha, o que te faz lembrar um ser que não pode apanhar sol se não fica queimado, que é branco, com dentes enormes…
- Vampiros?
- Sim…pois…é por isso que ele está cá. Porque é…é um vampiro.
- Hã? O que estás para aí a dizer?
Rui virou-se rapidamente e encarou o colega de quarto fixamente. Depois, acometido por um qualquer nervosismo começou a caminhar em círculos no quarto.
- És burro ou fazes-te? Ainda não reparaste? Não…ainda não. Ainda és novo aqui. Mas já devias ter estranhado. Ai isso é que devias! Deve ser por seres médico. Oh! Pois, os médicos só encornam, não pensam, não pensam não, nada mesmo. Ah! Que estúpido! Oh! Diz-me lá, em que é que tu trabalhas? Vá! Diz lá!
- Alteração da consciência por redução de estímulos exteriores e aplicação de drogas sintéticas.
- Ya! Pois…Tretas! Tu estás a trabalhar em projecção astral. Eu estou a trabalhar no ergotismo, ou será que devia fazer lobisomens?! Não vês que esta fundação só investiga coisas esotéricas? Só tretas new age? Só porcarias de magias e mitos? Pós de pirlimpimpim! Não percebes? É assim tão difícil de ver? Vampiros? Fantasmas! Para não falar no monstro! Sim! E telecinese! E coisas…Estamos dentro dos Ficheiros Secretos!
Começou a rir que nem um louco rebolando no chão irrompendo em pouco tempo numa crise de choro compulsiva em posição fetal. Fernando ajoelhou-se ao pé dele tentando acalmá-lo com festas na cabeça e apertando-o num abraço forte contra si. Aos poucos Rui foi acalmando, parando de tremer, acabando por adormecer encostado ao neurologista.

No dia seguinte Fernando não viu o seu colega de quarto o dia inteiro. Nem no quarto de manhã, nem às horas de refeição, nem se cruzou com ele nos corredores do laboratório. Mas acabou por esquecer tal facto perante a excitação dos resultados obtidos naquela tarde: O sujeito no tanque cessara as ondas cerebrais associadas ao pensamento durante alguns minutos, deixando apenas as ondas cerebrais associadas às funções vitais. Aquilo poderia querer dizer que o espírito saíra do corpo por instantes e conseguira regressar.
Só voltou a ver Rui quando, à noite, regressou ao quarto e este já dormia profundamente, comportamento que rapidamente imitou. Sonhou que guiava um carro pela praia até que encontrou o Voluntário que usavam para a pesquisa numa bonita praça…suíça? Tinha flores muito belas que mudavam de cor cada vez que olhava para elas. Sentou-se na cadeira e o Voluntário acendeu a lareira da sala onde estavam.
- Good evening doctor. – saudou – I hope you enjoyed the place I’ve chosen for our little conversation.
- Olá! Tem um sotaque muito giro sr. Voluntário. Nunca o tinha visto acordado.
- I never awake. I’m in a coma…and I’m not really a volunteer.
- Eu sei.
ACORDA! Foi a palavra que o arrancou do sono em que estava e dar de caras com Rui a suar em bica, em cima de si, pressionando-lhe o peito. Empurrou-o para o chão com violência.
- Porra! ‘Que é que se passa contigo! – gritou Fernando
- O monstro! O monstro! Escuta!
A cara de Rui estava numa contorção total, tanto sorria, como se afigurava medo, como os olhos se arregalavam. Pegou no copo em cima da cabeceira, despejou a água para o chão e encostou-o á parede.
- Escuta!
Fernando, não o querendo contrariar, mais por medo que por respeito, seguiu-lhe o gesto. Encostou o ouvido à parede e começou a ouvir passos. Não eram passos vulgares. Eram mais espaçados e pesados, como se um elefante andasse dentro da casa. As paredes vibravam a cada passo.
Sub-repticiamente o seu paranóico colega deslizou pela porta que entreabriu. Fernando suspirou e seguiu-o antes que ele fizesse alguma asneira que o pusesse em perigo. De certeza absoluta que aquela situação tinha uma explicação razoável.
Rui seguiu o som pela casa e atrás dele Fernando, que ia pensando uma maneira de acalmar Rui e levá-lo de novo para o quarto. Quando virou a esquina a intenção sublimou-se por completo.
Os olhos arregalados recusavam-se a piscar, as pernas recusavam-se a mexer, até o sangue se recusou a fluir deixando o neurologista pálido e gelado. Em frente deles um colosso de carne, cabelo, dentes, unhas e ossos se erguia caminhando pesadamente para a rua. Fernando soltou um grito agudo que captou a atenção da aberração. Esta virou-se lentamente para os dois homens minúsculos e eles puderam ver que a aberração era uma mulher.
Uma mulher que chorava copiosamente agarrada a uma coleira metálica ao pescoço.
Fernando tentava articular palavras, mas estas eram cubos de gelo que não saíam da garganta. Finalmente conseguiu dizer:
- Rui, tinhas razão…o…o monstro!
Rui virou-se para ele surpreendido e com uma calma insana respondeu:
- Mas o monstro não é ela…é ele!
Apontou para o fundo do corredor.
Um homem com a bata da Fundação tingida a sangue caminhava de olhar raiado em frente aos dois cientistas. Sorria.
- Olha Betty! Encontraste dois voluntários.

Umbrae

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Mensagem  sandokas Sex Nov 27, 2009 3:52 pm

Lindo!

sandokas

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